Leia este artigo sobre a Questão Indígena e tudo o que envolve os conflitos....
Nos recentes acontecimentos políticos e sociais observamos uma tendência de intervenção crescente dos grandes negócios em áreas de interesse social. No ano passado vimos, estarrecidos, um grupo de ruralistas tomar de assalto o Congresso Nacional para impor mudanças no Código Florestal, nossa lei maior no que se refere às políticas de preservação do Meio Ambiente. Isso aconteceu justamente durante os debates acerca do aquecimento global, no Encontro Internacional conhecido como Rio+20, e o desmatamento sem precedentes da Amazônia gerado nos últimos 12 meses.
Atualmente se discute, e já está em fase de implantação, uma Agência Nacional de Mineração, vinculada ao Ministério das Minas e Energia, com competência para exercer a regulação, fiscalização e mediação de conflitos nas questões de exploração dos recursos minerais. Existe uma lógica perversa por detrás desse processo de sufocamento de nossos recursos naturais. E essa lógica passa, necessariamente, pela omissão do Estado brasileiro em sua missão de assegurar a perenização de nossas riquezas minerais, vegetais e animais. Na verdade, nunca o Brasil cuidou desses valores, mesmo sabendo que a Natureza é a principal fonte de recursos para a sobrevivência dos seres vivos.
A Questão Indígena é a próxima etapa desse processo nefasto e perverso, mas nunca foi merecedora de um trabalho sério e responsável de estudos sobre sua importância histórica na formação do Homem brasileiro, senão por aqueles que não detinham o poder de elaborar políticas públicas para os Povos Originários. Desde o período Colonial, o índio é visto como mão de obra desejada para a exploração das lavouras e para transmissão de seu conhecimento sobre ervas medicinais para pesquisas da indústria farmacêutica.
Mas os conflitos fundiários assumiram caráter de luta violenta a partir do início deste ano, e existe uma razão lógica para isso: a ação coordenada pelos ruralistas para pôr fim aos trabalhos de demarcação de terras indígenas, prerrogativa constitucional da FUNAI. Para assegurar seu intento, mobilizaram os pequenos agricultores do sul do país para promoverem protestos e desenvolverem ações judiciárias de reintegração de posse. Sua tese é insustentável, uma vez que a maioria das terras agrícolas são resultantes de ações de grilagem e de transmissão ilegítima de posse, promovidas ao longo dos quinhentos anos de ocupação pelos portugueses e seus sucessores, com apoio da catequese da igreja católica, e suportada pelas forças militares e políticas que por aqui se implantaram.
Um “slogan” tem sido utilizado pelos ruralistas para questionar a legitimidade dessas terras indígenas e defender a frágil tese de desenvolvimentismo baseado na agricultura e na pecuária extensiva e devastadora; dizem eles: “É muita terra para pouco índio”! Oras, mas esse tipo de “plantation” utilizado desde o período colonial adota o mesmo princípio: extensas propriedades rurais com baixíssimo uso de mão de obra humana!
Qual a diferença?
Alegam esses exploradores que pelo menos suas propriedade produzem – e muito! - enquanto que os indígenas habitam suas terras usando apenas o essencial para sua sobrevivência: caça, pesca, coleta e uma lavoura de subsistência! No entanto, esse é o equívoco de seu argumento, pois sua imensa produção serve apenas para seu enriquecimento pessoal, trazendo muito poucos resultados para o Brasil como Nação!
É mais do que sabido que o setor primário da Economia, baseado na agricultura, na pecuária e na mineração, possui um valor agregado muito baixo e um custo social e ambiental extremamente elevado. Prova disso é que as nações mais desenvolvidas do mundo possuem sua Economia sustentada pelo setor secundário das indústrias de transformação, que agregam valor ao longo da cadeia produtiva e de comercialização.
Quanto mais extensa for a cadeia de produção e de suprimentos, maior número de trabalhadores é empregado, assegurando uma taxa de ocupação compatível com elevados padrões de vida e estabilidade monetária e fiscal. É óbvio que nossa Economia não cresce na proporção das expectativas governamentais porque não valoriza sua mão de obra, que é ocupada, principalmente na construção civil e no setor de serviços básicos.
Esse modelo do agronegócio brasileiro não gera empregos suficientes para assegurar uma distribuição equilibrada de rendimentos e uma participação efetiva da população no enriquecimento do país, gerando aumento da concentração de rendas e criando situações de tensão e conflito entre as cada vez mais distanciadas classes trabalhadoras nacionais.
A Questão Indígena passou a ser o exemplo mais evidente desses conflitos sociais, por se tratarem de populações indefesas e incapazes de se integrar, espontaneamente, na sociedade nacional. Mas não é isso o que nos interessa demonstrar nesta explanação, mas sim a grande importância dessas culturas tradicionais na formação de nosso Povo.
Os indígenas são, hoje, cerca de 800 mil indivíduos, sendo que apenas 50% deles reside no campo e habita as aldeias. Pertencem a cerca de 250 etnias, falando mais de 150 línguas de quatro troncos linguísticos. Seu conhecimento da Natureza é impressionante, e compreende um universo de costumes, saberes tradicionais, habilidades e técnicas de uso e ocupação do solo que deveriam servir de modelo para nossos cidadãos urbanos...
Ao longo de séculos, que se estendem para muito antes do “descobrimento” do Brasil, esses seres humanos ocuparam esse imenso território sem devastar sequer 1% das suas terras. E, na época da chegada dos invasores portugueses, eles eram muito mais numerosos e havia muitas outras etnias que os brancos massacraram em genocídios que não constam de nossos livros de História! Suspeita-se que chegassem a 5 milhões de habitantes, mas outras fontes de pesquisa acreditam que fossem quase 10 milhões!
Hoje, muitas dessas línguas e culturas estão em extinção, e boa parte de seus costumes já foram descaracterizados por imposição dos invasores. A própria igreja católica foi responsável pela maior parte das perdas culturais desses povos, impondo-lhes crenças incompatíveis com seu modo de viver e de criar seus filhos e cuidar de suas terras. Habitações coletivas foram suprimidas em nome de uma “moral” baseada na culpa e na vergonha; uma língua artificial denominada Nheengatu (tupi-guarani) foi criada para substituir as línguas tradicionais de muitos povos da Amazônia; o uso de produtos industrializados vem sendo implantado por comerciantes inescrupulosos e desonestos; o consumo de cachaça e de drogas vem contaminando suas sociedades, levando-os a comportamentos imbecis como os dos “brancos”, e à prática de violência e de crimes.
A Questão Indígena nunca foi tão atual, principalmente porque, ao contrário de nossos antecessores, não podemos mais alegar ignorância, a não ser como sinônimo de estupidez e de má-fé. Ainda não é tarde para retomarmos um processo adequado de integração, respeitando suas vontades e suas tradições, valorizando suas culturas e suas crenças, inibindo a ação dos verdadeiros bandidos que ingressam em suas terras para ludibriá-los em sua inocência e ingenuidade, usurpando-lhes as migalhas deixadas pela “civilização ocidental”. Ainda é tempo de resgatarmos nossos princípios para permitir-lhes viver em paz e sem a pressão insuportável de empreendimentos bilionários e irresponsáveis, que não só aniquilam sua forma de viver, como levam à extinção todos os recursos naturais que ainda restam em nosso país. Não se pode dissociar as políticas públicas indigenistas das políticas ambientalistas, pois elas estão intimamente vinculadas pela sabedoria desses povos. Hoje, metade de todos os recursos naturais preservados na Amazônia encontram-se nas Terras Indígenas! Isso não é pouco, mas é preciso muito mais de que reservas indígenas e unidades de conservação para assegurar a continuidade de nossa existência e da qualidade de vida que merecemos e que poderia justificá-la!
João Carlos Figueiredo – ambientalista, escritor, indigenista, mergulhador ("dive master"), espeleólogo, montanhista, canoísta e fotógrafo. É servidor público federal desde 2010 e trabalha na FUNAI, Fundação Nacional do Índio, como Agente em Indigenismo. Atuou durante 35 anos em Informática, tendo se aposentado em 2007 como gerente de projetos e gerente de produtos da TIVIT. Autor do livro "Expedição Meu Velho Chico" disponível para leitura em http://expedicaovelhochico.com/.
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