"muito mais do que 20 centavos"
Do blog de Marcelo Rubens Paiva (Estadão.com), este artigo comenta as manifestações e as agressões cometidas contra as pessoas que questionam o Estado e suas ações! Leia, eu li e gostei! Bialopes
Se engana quem acredita que a cidade parou por apenas 20 centavos. Embora 20 centavos faça a diferença para milhões.
Na manifestação do Movimento Passe Livre de terça-feira, a unanimidade foi chamar todo cidadão que protestou de vândalo e baderneiro.
As duas mais importantes autoridades da cidade estavam juntas em Paris, o governador do PSDB, Geraldo Alckmin, e o prefeito do PT, Fernando Haddad, com o vice-presidente da República, Michel Temer, do PMDB, numa surpreendente aliança com aspecto de grandeza e alucinada: sorridentes, esqueceram as divergências e tentaram vender mais uma vez o Brasil para outro grande evento internacional, enquanto as obras da Copa das Confederações não estão prontas, e as obras de mobilidade urbana para a Copa do Mundo nem começaram.
Na França, apresentaram o projeto de São Paulo à Expo 2020, uma prova de que o Poder vive num delírio megalomaníaco, ao passo que, quem leva duas horas por dia para ir trabalhar, três para voltar, em ônibus entupidos e caros, enfrenta 200 km de congestionamento, vive a realidade.
A manifestação nesses dias em São Paulo e outras capitais ganhou o caráter que deveria.
Não se trata apenas de centavos a menos na passagem do ônibus, mas de uma revolta coletiva contra um Estado que trata o indivíduo como um estorvo: o inimigo.
Estado que, ao invés de solucionar os problemas da violência, aterroriza. Que pensa para fora, não para dentro. Que gasta em estádios, não em metrô.
E mais uma vez, a Polícia Militar, o braço armado que garante o Poder aos incompetentes, e os blinda contra as revoltas, faz o trabalho que nem sequer o melhor dos marqueteiros conseguiria: une a sociedade, dentro e fora do Brasil, física e virtual, contra a violência de quem deve combatê-la e ganha para isso.
Viu-se uma PM tomar o Poder. Impedir que manifestantes ocupassem a avenida, ocupando-a. Abrir fogo contra inocentes e jornalistas. Tipificar uma manifestação política como formação de quadrilha.
Não é mais o aumento da passagem a bandeira. Alguns cartazes escritos à mão deram o tom.
“O povo não deve temer o governo, o governo deve temer o povo”.
“Uma cidade muda não muda”.
“Desculpe o transtorno, estamos mudando o País”.
Pela TV, assistimos a anarquia militar. Motos tocavam pedestres como gado em frente à FIESP. PMs atiravam a esmo. Encurralavam jovens de braços erguidos, rendidos.
Pelas redes sociais, minuto a minuto, informes, imagens e relatos.
Apresentadores de TV perdidos, desinformavam e confundiam.
Luiz Datena, da BAND, fazia uma enquete ao vive. Sua pergunta tendenciosa pedia uma resposta: “Você é a favor de protesto com baderna?” O resultado mostrou que a revolta é mais profunda, deixou o apresentador sem ação: o sim ganhava do não por 2050 a 851, quando a emissora tirou a enquete da tela.
Enquanto pelas redes sociais rodava a foto da repórter Giuliana Vallone, da TV Folha, com o olho sangrando, de policiais quebrando o vidro da própria viatura para simular um ataque, de cinegrafista levando um jato de spray de pimenta, a polícia ocupava a Paulista, fechava a avenida para manifestantes não a ocuparem.
Antônio Prata tuitou: “No próximo protesto, que se combine de antemão. A PM vai pra praticar atos de vandalismo, e os manifestantes para tentar contê-los.”
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O debate está lançado.
Vale a pena ler trechos do longo artigo que Eduardo A. Vasconcellos, diretor do Instituto Movimento de São Paulo e assessor da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP), escreveu para o LE MONDE DIPLOMATIC:
Na história do nosso sistema de transporte de passageiros, os mecanismos de financiamento foram dirigidos principalmente ao incentivo do transporte individual. A partir da Constituição de 1934, quando se declarou pela primeira vez que era necessária a construção de um sistema de rodovias, todos os esforços foram feitos para atingir esse objetivo. Mais tarde, a introdução da indústria automobilística em 1956 foi um marco essencial nesse caminho, tendo sido seguida por políticas de apoio permanente ao automóvel e, mais recentemente, à motocicleta. O único período no qual o transporte coletivo teve lugar efetivo na agenda federal foi durante a crise do petróleo da década de 1970, quando órgãos federais tiveram capacitação técnica e recursos para investir em sistemas de ônibus nas grandes cidades brasileiras. Esse movimento esteve relacionado à crise de energia e ao receio do aumento intolerável do custo de importação de petróleo, e não a motivações políticas ou sociais que questionassem o modelo de privatização da mobilidade. Uma vez abrandada a crise, as intenções se voltaram à viabilização do processo de motorização privada da sociedade.
Após a Constituição de 1988 e o afastamento do governo federal da questão do transporte público, os recursos federais ficaram limitados às fontes do Orçamento Geral da União e do BNDES, sendo aplicados em alguns corredores de ônibus e sistemas ferroviários e metroviários de grandes cidades. Mais recentemente o Código de Trânsito de 1998 criou o Fundo Nacional de Segurança e Educação para o Trânsito (Funset) e o DPVAT (seguros contra acidentes). Desde então, essas duas fontes acumularam cerca de R$ 3,1 bilhões, recursos que, em sua maioria, estiveram contingenciados pelo Ministério da Fazenda. Adicionalmente, foi estabelecida a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que, originária do consumo de combustíveis, tem parte da destinação prevista para os transportes públicos. No entanto, a maior parte dos recursos da Cide (cerca de R$ 9 bilhões por ano) também foi sendo contingenciada ao longo do tempo.
No tocante à operação dos sistemas de transporte de passageiros, os custos do transporte público são cobertos pelas tarifas pagas pelos usuários e, em alguns casos (principalmente nas ferrovias), também por complementações orçamentárias. A cobertura dos custos vem ficando cada vez mais difícil e iníqua, na medida em que a tarifa vem aumentando acima da inflação, afetando muito os usuários que não recebem o vale-transporte. Além disso, aumentou a concessão de gratuidades e descontos, que são pagos pelos demais usuários, a maioria de baixa renda: há cidades nas quais as gratuidades beneficiam de 20% a 40% do total de passageiros. Outro problema estrutural é a queda na demanda, que transfere os custos para um número cada vez menor de usuários.
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