Gostei muito do artigo escrito por Roberto
Cassano! Objetivo e claro, aponta algumas falhas (normais, pela magnitude envolvida) e sugere ações focadas nas mudanças que TODOS queremos! Bia Lopes
Sobre a casa invadida, o fim da anestesia e nosso Batman
É bastante provável que, ao fim das manifestações, nada de
perceptível mude. Teremos uns centavos de redução de passagens aqui e ali,
algumas resoluções e CPIs acolá, mas a estrutura, a raiz do problema não será
resolvida.
Até porque as causas do movimento ampliado, que vai além dos
20 centavos e do passe livre, são abertas. Não há uma carta de reinvindicações
na mesa que possa ser negociada. Não há um interlocutor.
E isso é ótimo.
Isso é ótimo por alguns efeitos que os protestos deixarão
nos governantes. O principal deles é o que podemos chamar de síndrome da casa
invadida.
Imagine que você volta para casa um dia e descobre tudo
revirado, roubado, quebrado. Suas fotos pessoais expostas, gavetas abertas,
itens subtraídos. Nos dias, meses e anos seguintes, não adiantará a quantidade
de trancas, chaves e segredos, não importará a porta blindada. Você sempre vai
dormir sobressaltado. Sono leve. Um olho aberto, ouvidos atentos a qualquer
ruído.
No fundo, você saberá que pode acontecer novamente. Sem
aviso.
Em menos de uma semana surgiu do nada, sem uma liderança,
sem aviso ou previsão um movimento que levou centenas de milhares às ruas.
Motivados inicialmente por meros 20 centavos. A casa foi invadida. Na cabeça de
políticos e governantes, daqui pra frente, qualquer projeto, qualquer reajuste,
qualquer decisão pode dar início a protestos similares.
Pela primeira vez eles se sentirão vigiados, observados por
olhos brilhantes de rostos invisíveis na escuridão. Criamos nosso Batman
coletivo, cuja mera lembrança de seus ataques repentinos e de sua asa de
morcego fazem os bandidos pensarem duas vezes.
Um segundo ponto é tornar pública e generalizada a discussão
política. Por alguns dias, jovens e adultos estão debatendo serviços públicos,
PEC 37, o papel e a postura dos políticos. Acabou o efeito da anestesia. De
súbito descobrimos que as coisas não vão tão bem assim. O complexo de vira-lata
às avessas que vivemos nos últimos anos foi superado. Passamos novamente a
perceber que temos mazelas, e muitas. Acabou a ilusão de que tudo vai bem, de
que somos todos ricos, lindos e famosos. E isso durante uma competição
esportiva. Durante uma quase Copa.
Na noite de 18 de junho, William Bonner comunicou no Jornal
Nacional que abandonou o plano de apresentar o noticiário da frente dos
estádios – procedimento normal do JN na cobertura de grandes eventos esportivos
– para voltar ao estúdio, por conta do peso dos protestos na pauta. Em outras
palavras: a cobertura dos protestos se tornou prioritária à da Copa das
Confederações. Isso é ou não é uma incrível vitória de nosso povo sempre
controlado à base de pão e circo?
Como mencionei na autocrítica como publicitário, Manuel
Castells já avisava que chegaríamos a esse ponto. O nobre Carlos Nepomuceno
lembrou outro texto que ajuda a entender esse momento, o livro “Quem está no
comando?”, de Ori Brafman e Rod Beckstrom. Há uma explicação para tudo isso.
Apesar de toda a anarquia, há uma lógica por trás do que
estamos vivendo. E isso é ótimo, também.
Poderemos estudar e entender melhor do que se passa. E
continuaremos à frente, pois não temos a arrogância e as amarras (rabo preso
seria um termo vulgar, embora apropriado) da classe política, tão ensimesmada,
autocentrada e autossuficiente demais para tentar ouvir e entender a sociedade.
A casa ainda não caiu, mas agora a gente tem a chave.
Autor:
Roberto Cassano https://medium.com/what-i-learned-today/fd831fdb3265
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